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Big Data. Ventos de Mudança

Se como indústria temos algumas vantagens invejáveis nos pontos de contato com o cliente, sofremos com o atraso na sofisticação tecnológica e principalmente com o pobre trabalho que estamos a desenvolver. Um líder deve começar já o seu caminho claramente identificando que não é uma questão de TI mas de negócio e multidisciplinar.
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7 minutos

Data. Data. Data.

Se há algo que se assemelhe a uma caça ao ouro na nossa indústria é sem dúvida o frenesim que invadiu quase todos os atores relativamente a tudo o que se relacione com os dados. Penso que a palavra que mais escutei durante o decurso de toda a Hitec foi “data”.
Subitamente quase todos os fornecedores alegam ser especialistas em dados, ter nas suas equipas cientistas de dados e as suas plataformas permitirem capturar dados até agora inimagináveis para os hoteleiros.
Do outro lado da barricada encontrava uma larga percentagem de  operadores e  proprietários de hotéis adaptando uma posição mais cautelosa perante esse admirável mundo novo que lhes era proposto. Esta posição deriva:
  • da adoção tardia de tecnologia pela nossa indústria em relação a outros setores,
  • dos efeitos secundários do doloroso processo que foi a obtenção (ou tentativa de) de conformidade com a regulamentação GDPR (RGPD) e
  • dos inúmeros incidentes de segurança informática, onde o alvo são primordialmente os dados, sejam eles de cartões de crédito ou dados pessoais.
Todavia existe uma cada vez maior faixa de hoteleiros que abordam a questão de dados com uma perspetiva renovada e que recusa uma postura derrotista ou de “enterrar a cabeça na areia”.
Em primeiro lugar esse grupo, onde indubitavelmente me incluo, reconhece que como indústria temos algumas vantagens invejáveis. O número de interações com o cliente e os data points onde podemos capturar informação relativa aos mesmos é um universo vasto e rico.
Adicionalmente a natureza desses dados é diversa englobando:
  • Dados do ciclo de compra
  • Dados demográficos detalhados
  • Dados de redes sociais originados durante a estadia (dependendo da legislação)
  • Interações em tempo real com o staff que podem ser capturadas digitalmente
  • Dados de comportamento (behavioural data)

3 Erros que urgem corrigir

Do lado negativo esta nova escola de pensamento admite, sem embaraços, que temos para lá do atraso em sofisticação tecnológica, já anteriormente referido, feito um pobre trabalho com as ferramentas e os dados que já temos ao nosso dispor. Os erros que urgem corrigir são:

1. Acabar com os silos de dados
Dados isolados que podiam ser relevantes para a compreensão e análise do negócio

2. Perda de dados
Existem inúmeros fluxos de dados que simplesmente não capturamos embora tenhamos os mesmos ao nosso dispor. Penso que um excelente exemplo é o sistema de HSIA (acesso à internet) onde tantos se preocupam em tentar capturar o e-mail do cliente para futuras ações de e-mail marketing mas onde os dados (anonimizados) dos hábitos de navegação, horas, tipos de dispositivos, sistemas operativos, browsers etc se perdem no éter.

3. Disponibilização a terceiros
Existem inúmeros fluxos de dados que simplesmente não capturamos embora tenhamos os mesmos ao nosso dispor. Penso que um excelente exemplo é o sistema de HSIA (acesso à internet) onde tantos se preocupam em tentar capturar o e-mail do cliente para futuras ações de e-mail marketing mas onde os dados (anonimizados) dos hábitos de navegação, horas, tipos de dispositivos, sistemas operativos, browsers etc se perdem no éter.

Dimensão. Um fator questionável

Sendo um artigo de opinião, optei por não me focar nas inúmeras tecnologias que existem neste momento ao dispor das unidades hoteleiras de qualquer dimensão. O artigo seria extenso e não abordaria o cerne da estratégia da gestão de dados, da qual a tecnologia é apenas uma ferramenta de execução e não a “bala de prata“ que resolve todos os problemas.

Afirmo cabalmente que a capacidade de ter uma boa estratégia e governança de dados é independente da dimensão da unidade ou grupo hoteleiro.
Os gigantes da indústria (IHG, Marriott, Accor) estão a investir milhões de dólares em soluções e recursos totalmente fora do alcance de qualquer unidade ou grupo nacional. Porém o uso do “cloud computing” tornou o acesso a ferramentas de software bastante acessível e, fundamentalmente, o entendimento que a estratégia de dados é uma questão de negócio e não um problema dos departamentos de TI nivelou o terreno e a dimensão passou a ser um argumento questionável.

Pequenos em dimensão, grandes em tecnologia

Dois dos grupos com maior sucesso ao nível do uso de dados em beneficio do negócio operam menos de quinze hotéis a nível global. Refiro-me à CitizenM e 25 Hours Hotels.
Se a CitizenM é uma empresa que aposta fortemente na tecnologia e automação e foca grande parte da sua estratégia da dados numa atitude de “catch all” onde sistemas que usualmente viviam isolados (p.ex chaves eletrónicas, POS, Gestão de edifícios, entre outros) são integrados num conceito de “ system bus” que integra os dados de TODOS os sistemas. Esta filosofia requereu que o grupo assumisse o risco de uma arquitetura de sistemas radicalmente diferente do velho modelo de múltiplos interfaces.
“Radio-frequency identification (RFID) door cards allow guests to access their rooms during the reservation period but beyond the functionality, hoteliers are failing to access “the micro detail that travels in those interfaces” about the guest’s behavior. There’s a richness of information about our guests and their habits in the systems, yet there’s no way for us ever to bring that data to bear” – Michael Levie – COO CitizenM
A 25Hours Hotels, por outro lado, assume-se como uma empresa “low-tech”.
“(…) we are not a super tech savvy company. We are not like (…) — we don’t have mobile check-in yet, we don’t have in-room iPad control, we don’t have self-check in kiosks—we more believe that human interaction is important and that technology should enhance that experience” – Michael End – COO 25Hours Hotels

Grupo pequeno. Sim, é possível.

O que me leva a afirmar que este pequeno grupo baseado na Alemanha é excelente no uso de dados? A resposta é simples. Dão um bom uso às ferramentas que têm, capturam de forma consistente e sistemática os dados relevantes, tem políticas claríssimas de dados e equipas bem treinadas para o efeito. Alguns exemplos:

  • Para os dados que são introduzidos no PMS existe uma rigorosa política de introdução e formatação de dados, os quais são revistos regularmente para garantir a relevância e exatidão dos mesmos
  • Devido ao seu posicionamento como marca, as redes sociais são fundamentais, pelo que todas as interações nas mesmas são capturadas, registadas e processadas em plataforma de “social sentiment”
  • Todos os colaboradores que interagem com o cliente são formados a registar digitalmente dados relevantes que advenham dessas interações

Alguns princípios fundamentais

Agora que já apresentei um quadro geral do sentimento da indústria e procurei desmistificar que competir na área dos dados não é algo apenas possível aos grandes grupos. Completo este artigo com alguns princípios fundamentais para o desenho de uma boa estratégia de dados e com os momentos cruciais de um ciclo de dados numa perspetiva moderna.
1. Estratégia de dados – Quem

É responsabilidade da gestão sénior (administração, direção geral) patrocinar a iniciativa e alocar os recursos necessários à definição de uma estratégia de dados de forma a que estes sejam identificados, coletados e usados em prol da maximização do negócio.

Esta premissa assume que os mesmos sejam fidedignos, relevantes e que os recursos humanos que os usam, a todos os níveis, estejam devidamente formados na sua aquisição, manipulação e interpretação.

A execução da mesma é um esforço multidisciplinar que inclui entre outras as áreas da tecnologia, marketing e operações.

É importante realçar que ao nível do recursos de TI que a governança de dados, arquitetura, gestão de repositórios e outras disciplinas que constituem a componente técnica desta temática raramente existem nas competências das equipas internas de TI dos hotéis mais focadas para o suporte de primeira linha e gestão de redes. O recurso a outsourcing é sempre uma opção a ser seriamente considerada com um especial cuidado na escolha dos parceiros devido ao fator critico e risco para o negócio.

2. Conhecimento e propriedade são os desafios

O volume de dados existentes não é um problema perante a capacidade computacional existente nos dias de hoje. O desafio consiste em saber que dados temos e, acima de tudo, reclamar a propriedade legitima dos nossos dados, impedir a perda de dados relevantes ou que os mesmos estejam isolados em silos e, acima de tudo isto, que os mesmos não sejam disponibilizados gratuitamente a terceiros – muitas vezes sem o nosso conhecimento.

3. Olhar para amanhã. Ontem já foi

O uso dos dados (assumindo que os mesmos sejam corretos e relevantes) é conhecer o comportamento do consumidor, a performance do negócio para prever as tendências futuras.

Decerto que o termo “predictive analytics” não vos é estranho. É essa a função e a grande linha orientadora de todas as ferramentas de software que estão a inundar o mercado.

A era do relatório sobre dados passados já passou e a sua importância é relativa. Exceto para termos comparativos ou para alimentar os motores predictivos. As ferramentas de BI que nada mais fazem do que organizar dados históricos e apresentá-los num formato agradável sobre a forma de “dashboards” ou similar, pouco valor trazem no moderno mundo empresarial.

4. Partilhar dados sim, cautelosamente

Os modelos colaborativos de partilha de dados anonimizados para efeitos de “benchmarking” são benéficos, mas devem ser utilizados com cautela e analisados por peritos de forma a garantir que os nossos sistemas estão realmente a partilhar os dados que foram contratualizados.

Recentemente estive envolvido numa diligência (agora em foro judicial) onde um serviço que teoricamente, retirava dados anónimos sobre o total de nacionalidades hospedados por noite, para analise estatística sobre o destino, na verdade fazia uma exportação diária de todas as reservas e perfis de clientes criados no PMS desde a última auditoria da noite.

Pelo lado positivo, gostaria de referir uma iniciativa de um dos maiores fabricantes mundiais de HCM (gestão de capital humano), que através de um sistema de benchmarking devidamente anonimizado e alimentado por milhares de empresas (incluindo hotéis e outras empresas do setor turístico) permite aos gestores de talento e cultura ter uma perspetiva abrangente e em tempo real de, por exemplo, a competitividade dos salários que oferecem, se o nível de rotatividade de pessoal é mais alto ou mais baixo que a média da cidade, país ou indústria entre outros indicadores realmente valiosos para a gestão do capital humano.

Identificar

Todas as fontes de dados devem estar identificadas e devidamente catalogadas

Agregar

A natureza dispersa dos vários sistemas que constituem o ecossistema de um hotel/grupo hoteleiro obriga a que se agregue os dados (de forma seletiva ou integral) das várias fontes em repositórios centrais. A tendência atual é reduzir a complexidade da interconectividade entre sistemas usando um sistema de interligação em série (system bus) e usando como repositórios centrais sistemas baseados na cloud (Azure, AWS, Google Cloud)

Normalizar

Embora a qualidade dos dados deva ser garantida desde a introdução dos mesmos nos variados sistemas, existe sempre a necessidade de os normalizar, e só posteriormente disponibilizados aos utilizadores finais. Este processo vulgarmente conhecido por ETL (Extract, Transform, Load) ocorre ao nível dos repositórios centrais. Até à finalização desta fase o utilizador final não tem acesso aos dados.

Visualizar

Esta é a forma mais básica e mais antiga de consumir os dados pelos utilizadores finais. As ferramentas de visualização podem variar desde os clássicos relatórios, folhas de cálculo (p.ex Excel) ligadas a fontes de dados ou ferramentas de BI na sua utilização mais básica. Nesta função o utilizador apenas consome a informação não lhe sendo permitida qualquer manipulação da mesma

Usar/Manipular

Este estágio já mais evoluído do uso dos dados permite ao utilizador usar os mesmos para efetuar simulações, cenários alternativos, conjugações entre várias fontes de dados quer internas quer externas.

Prever

Este é o atual estágio mais sofisticado da atual ciência de dados onde a computação e o uso de algoritmos complexos e de inteligência artificial assume um papel central. Contrariamente ao cenário anterior (Usar/Manipular) a intervenção humana aqui é reduzida ou inexistente sendo a função computacional elaborar cenários futuros e/ou detetar tendências impossíveis de detetar em tempo útil pelo ser humano. Comercialmente este tipo de funcionalidades é designado por “Predictive Analytics” ou “Machine Learning based analytics” .

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